O câncer de bexiga é o décimo tumor de maior incidência no mundo. Estima-se 500 mil novos casos e 200 mil mortes ano ano. Segundo dados do instituto nacional do câncer, em 2023 foram diagnosticados aproximadamente 11 mil novos casos no Brasil. Homens são diagnosticados com câncer de bexiga 3 a 4 vezes mais que as mulheres, possivelmente pelos hábitos de vida, além de estudos recentes mostrarem maiores incidências em pacientes com dificuldade miccional relacionado a hiperplasia prostática (saiba mais sobre a hiperplasia benigna da próstata).
Apesar das mulheres terem menor incidência, um dos principais sintomas do câncer na bexiga (o sangramento na urina, conhecido no meio médico como hematúria) muitas vezes é erroneamente associado a infecção urinária, o que invariavelmente leva a uma demora do diagnóstico do tumor na bexiga na mulher.
Imagem 1: diferentes lugares de acometimento do tumor
Hábitos alimentares podem conferir pouco impacto no risco de desenvolver câncer de bexiga. Alguns estudos sugerem que o hábito da dieta mediterrânea (alto consumo de vegetais, gordura não saturada como o azeite e ingesta moderada de proteínas) podem estar ligada a baixa incidência do tumor na bexiga, enquanto a dieta ocidental (rica em gordura saturada e carne) pode ter mais chances de apresentar a doença.
Sintomas do câncer de bexiga
O risco de ser detectado o câncer de bexiga na presença de sangue na urina é de 4% em pacientes com achado microscópico e 16% em pacientes com sangue visível. Esta estatística apresenta variação principalmente dependendo da idade e fatores de risco do paciente, o que modifica a estratégia de investigação.
Diante de um quadro de sangramento na urina, é fundamental investigar outros fatores mais comuns, como infecção do trato urinário, sangramento menstrual, infecções virais, uso de medicamentos (como anticoagulantes), procedimentos urológicos recentes, dentre outros
Sendo assim, muitos dos sintomas de câncer de bexiga também apresentam-se decorrentes de causas benignas, sendo necessário uma avaliação minuciosa para discernir um quadro do outro.
Dentre os exames disponíveis para detecção do tumor na bexiga e avaliação do sangramento na urina temos o ultrassom, a tomografia de abdome e pelve e a ressonância magnética de bexiga.
O Ultrassom é um exame prático, acessível, de baixo custo, porém apresenta uma sensibilidade baixa para detectar lesões pequenas ou carcinoma in situ (60 - 80%).
A tomografia de abdome e pelve quando feita com a fase excretora apresenta uma alta sensibilidade para detectar lesões do trato urinário comparado ao ultrassom (80 - 94%) e acaba sendo a preferência junto a cistoscopia para a investigação.
A ressonância magnética de pelve apresenta sensibilidade semelhante à tomografia, podendo ser um recurso para avaliar a gravidade e extensão da doença ou reservada para pacientes com contraindicação a tomografia de abdome.
TC de abdomen com imagem na bexiga sugestiva de câncer
Consiste no exame de urina onde é identificado a presença de células tumorais na urina.
Apresenta boa sensibilidade para detecção de tumores na bexiga de alto grau (84%) porém baixa sensibilidade para tumores de baixo grau (18%). Sendo assim, caso o exame venha negativo, ainda não é possível o afastamento do câncer bexiga.
Visto a baixa sensibilidade que a citologia oncótica tem, muitos marcadores na urina vêm sendo desenvolvidos para aprimorar a investigação no câncer de bexiga. Alguns desses exemplos são Cx-bladder, ADX-BladderTM, Xpert Bladder,CellDetect e UroVysion e tem o intuito de melhorar o diagnóstico, seguimento, aplicação no rastreio e eventualmente substituir a cistoscopia.
Estes marcadores ainda necessitam de resultados de estudos em desenvolvimento para verificar sua real aplicação.
A cistoscopia é o exame padrão ouro para diagnosticar tumor na bexiga. Consiste na passagem de um aparelho que pode ser flexível ou rígido, por meio de anestesia local com ou sem sedação. Todo o trajeto da uretra e todos os limites da bexiga são avaliados. Na presença de lesões suspeitas, pode-se realizar biópsias e avaliação patológica subsequente.
A ressecção endoscópica confere a retirada da lesão suspeita para câncer na bexiga e é um procedimento tanto diagnóstico quanto terapêutico. Possui a capacidade não só de retirar todas as lesões como confere parte importante do prognóstico da doença, ao avaliar a extensão da invasão dentro da bexiga.
Caso ocorra uma ressecção incompleta, falta da camada muscular representada na amostra, ou achado de câncer bexiga que invade a camada subepitelial (T1 na classificação TNM), recomenda-se repetir o procedimento dentro de 4 a 6 semanas (51% das doenças de alto risco classificadas como T1 tem doença identificada no segundo procedimento e 8% identifica-se invasão muscular no segundo procedimento, o que muda os tratamentos para câncer de bexiga).
Citoscopia para avaliação interna da bexiga
O tumor na bexiga pode ser classificado como não músculo invasivo, quando restrito a camada mais superficial da bexiga, e músculo invasivo, quando acomete a camada muscular, mais profunda da bexiga.
Quanto a patologia, pode ser classificado como carcinoma urotelial (75% dos casos), carcinoma de células escamosas e, mais raramente, adenocarcinoma.
Com relação ao subtipo urotelial pode ser também dividido como baixo grau e alto grau, dependendo da diferenciação celular.
O grau de invasão, avaliação da patologia e a identificação de sinais de doença em outros órgãos conferem prognósticos e tratamentos para câncer de bexiga distintos que iremos discutir na sequência.
Os tratamentos para câncer de bexiga não músculo invasivo, como dito anteriormente, são inicialmente estabelecidos pela ressecção endoscópica da bexiga. Deve-se avaliar a necessidade de uma nova ressecção endoscópica dentro de 4 a 6 semanas dependendo do resultado da patologia inicial.
O tratamento pode ser resolvido apenas com a ressecção endoscópica, porém em alguns casos pode ser necessário o uso de quimioterapia intravesical no pós-operatório, como a BCG, mitomicina, gencitabina, etc.
O BCG (Bacilo de Calmette-Guérin) é uma forma viva atenuada de uma bactéria chamadaMycobacterium bovis. Por volta da metade do século XX foi visto que pacientes portadores de tuberculose e que possuíam câncer de bexiga concomitantemente apresentavam um controle melhor do tumor, sendo posteriormente visto a nível molecular que esse agente estimula o sistema imune a agir mais eficientemente contra as células tumorais na bexiga.
Inserção do cateter e aplicação do BCG intravesical
Diversos estudos conferem superioridade ao uso de BCG após a ressecção endoscópica comparados a ressecção endoscópica sozinha ou associado a outros agentes quimioterápicos no que se refere a controle de recorrência e progressão da doença não músculo-invasiva de risco intermediário ou de alto risco. É o primeiro agente adjuvante para câncer de bexiga não músculo invasivo e o agente mais estudado e com melhores sucesso de controle da doença entre os utilizados até o momento.
A sua aplicação consiste na instilação vesical de 90 a 120 minutos uma vez por semana durante 6 semanas. Se o paciente tiver boa tolerância, sugere-se seguir com a fase de manutenção com aplicações em intervalos que podem variar em um período de um a três anos.
Por se tratar de uma bactéria inativada, a aplicação de BCG pode apresentar efeitos colaterais diversos (cerca de 60% das vezes, sendo distribuídos em efeitos leves bem tolerados a efeitos mais graves).
Efeito colateral da aplicação de BCG podem ser disúria, urgência miccional, sangue na urina, prostatite (isto é, inflamação da próstata), orquite (isto é, inflamação do testiculo), febre, dores articulares e , em casos mais raros, infecção generalizada.
O câncer de bexiga músculo invasivo representa 30% dos casos de doença localizada e consiste na invasão da camada muscular da bexiga pelo tumor. Apresenta progressão e mortalidade mais elevada comparada ao câncer não músculo invasivo.
Os tratamentos para câncer de bexiga preconizados nessas condições consistem na quimioterapia à base de cisplatina seguido da retirada da bexiga (cistectomia radical), retirada dos linfonodos pélvicos e reconstrução da via urinária.
Importante ressaltar que nem todos os pacientes são elegíveis a quimioterapia neoadjuvante (como pacientes com disfunção renal, problemas cardiovasculares, problemas auditivos, reações adversas as medicações quimioterápicas, subtipos celulares não responsivos à quimioterapia, entre outros). Nesses casos a cistectomia sem a quimioterapia neoadjuvante deve ser opção.
Tratamentos para câncer de bexiga com preservação vesical através da ressecção endoscópica da bexiga associado a radioterapia e quimioterapia possuem maiores riscos de progressão da doença e são direcionados a casos selecionados ou a pacientes que não aceitam a retirada da bexiga.
Posição da bexiga do homem e da mulher
A cistectomia radical consiste em uma cirurgia onde são retiradas a bexiga, próstata e vesículas seminais no homem. Na mulher muitas vezes é necessário remover em conjunto o útero, ovários e tubas uterinas.. A retirada dos linfonodos pélvicos não só é responsável por melhor entendimento da gravidade da doença como também é terapêutico, pois cerca de 25% dos pacientes com tumor na bexiga músculo invasivo já apresentam metástase nestes linfonodos identificados na patologia pós cirúrgica.
Entenda a anatomia do sistema urinário:
Foto com as estrutura do sistema urinário pontuando cada estrutura
Sistema urinário
O sistema urinário consiste no conjunto formado pelos rins, ureter (canais que levam a urina do rim a bexiga), bexiga e uretra (canal que leva a urina da bexiga pro meio externo).
A reconstrução urinária após a retirada da bexiga pode ser feita com as seguintes opções:
Ureterostomia cutânea
Conduto Ileal Incontinente
Neobexiga
A cirurgia de retirada da bexiga é usada há décadas para tratar o câncer de bexiga, porém nos últimos anos o uso da plataforma robótica vem ganhando maior espaço. Atualmente é possível realizar a retirada da bexiga, dos linfonodos e a reconstrução urinária totalmente intracorpórea (isto é, dentro da barriga do paciente, sem a necessidade de realizar grandes incisões, mas uma incisão menor, com menos complicações e mais estética, apenas para a retirada da peça cirúrgica).
Cirurgião no console e assistente em campo, perto do robô
Estudos mostram que a cirurgia robótica para o câncer de bexiga mantém a segurança do tratamento oncológico atrelados a benefícios como uma recuperação do trânsito intestinal mais rápida e menor índices de sangramento e necessidade de transfusão.
O procedimento é feito sob anestesia geral, com o paciente posicionado na maca cirúrgica com inclinação de 30 graus (para facilitar o acesso à pelve). O abdome é inflado com gás carbônico e 3 acessos de 8mm e 2 acessos de 12mm são feitos para introduzir as pinças cirúrgicas do robô. Um auxiliar fica dentro do campo cirúrgico para dar assistência ao procedimento, enquanto o cirurgião fica no console comandando as pinças do robô.
Posicionamento do paciente e dos acessos das pinças após insuflar o pneumoperitônio
Ilustração da visão do cirurgião e das pinças dentro da cavidade com o fio cirúrgico durante uma reconstrução com neobexiga
Ao final, uma incisão abdominal na porção inferior é feita para retirar a peça cirúrgica. Em alguns casos selecionado em mulheres pode-se realizar a retirada através de uma abertura da vagina, depois fechada.
Dependendo do tipo de reconstrução urinária, o paciente sairá com uma bolsa coletora. Os cateteres ureterais serão mantidos por tempo determinado conforme orientação do cirurgião. Caso o paciente realize uma reconstrução com neobexiga, também sairá com uma sonda pelo canal urinário que permanecerá em média por 14 dias. Outros drenos abdominais são necessários para controle e vigilância das costuras internas (chamadas de anastomoses). Para uma melhor recuperação, o paciente é estimulado a realizar fisioterapia ou andar logo no primeiro dia pós-operatório para estimular o intestino. Medicamentos para evitar trombose serão administrados assim quando possível. O tempo médio de internação é em torno de 7 dias, porém pode variar dependendo de vários fatores, como o tempo de cirurgia, necessidade de pós operatório em UTI, recuperação do paciente, presença de transito intestinal, entre outros.
A cistectomia tem sua complexidade não só pelo porte da cirurgia como também pelo paciente que geralmente apresenta um detrimento funcional e da saúde consideráveis. A literatura médica expõe estudos com 66% de complicações de graus leves a severos dentro de 90 dias após a cirurgia e mortalidade de 2% nos 30 dias iniciais após o procedimento.
Já os procedimentos endoscópicos utilizados nas doenças não músculo invasivas têm taxas de complicações graves baixas, menores de 1%, sendo as complicações mais comuns sangramento na urina, infecção e desconforto para urinar nos primeiros momentos após a cirurgia.
Sim. Apesar de sua incidência baixa entre os tipos de câncer urológico, o câncer de bexiga é perigoso pois apresenta progressão rápida e alta mortalidade.
Estima-se que os tumores não músculo invasivos tem um índice de recorrência entre 50 e 70% no período de 5 anos do tratamento inicial. Já a mortalidade relacionada à doença nesses casos é baixa, sendo o índice de sobrevida de 90% em casos de baixo risco e 80% nos casos de alto risco dentro do mesmo período de 5 anos.
O câncer músculo invasivo apresenta taxa de recorrência em 5 anos de seguimento entre 20 - 50% dos casos, porém altos índices de mortalidade, com sobrevida de 50 a 60%.
Já o câncer metastático, onde encontra-se doença em outros órgãos, fora da bexiga e dos gânglios próximos a bexiga, possui sobrevida de 15% ou menos. Novos tipos de tratamento em avaliação com terapia alvo e imunoterapia possuem grande expectativa de não só melhorar os efeitos colaterais relacionados à quimioterapia como melhorar a sobrevida nesses casos.
O Dr Romulo Nunes é médico graduado pela Faculdade de Medicina da USP, urologista formado pelo Hospital das Clínicas da USP, realizando durante sua residência estágios internacionais na Inglaterra (Guy`s Hospital) e Itália (Hospital San Raffaele), ano adicional no departamento de transplante renal do Hospital das Clínicas da USP, possui certificação em cirurgia robótica pela Sociedade Brasileira de Urologia e realizou Fellowship em cirurgia robótica e minimamente invasiva na Bélgica (OLV hospital / ORSI academy) no principal e um dos centros pioneiros de formação em cirurgia robótica da Europa, onde teve capacitação e treinamento para o tratamento do câncer de bexiga com as diversas modalidades cirúrgicas.
Possui participação em congressos internacionais como ouvinte e discutidor. Atualmente participa de projetos de pós-graduação pela Universidade de São Paulo, é médico colaborador do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo e é membro do corpo clínico dos principais hospitais de São Paulo.
Está com sangramento na urina, sintomas de câncer na bexiga ou apresenta algum dos fatores de risco? Procure o especialista para uma avaliação.
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